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Victor Rangel

MINI BIO

          Coordenador e Produtor de Eventos de lançamento no mercado audiovisual, produzindo cenografia e iluminação, coordenação de Staff de evento, com atuação no processo de criação de ações de marketing e produção executiva desde 2015 onde fiz parte da equipe da RG Produções e Espaço Itaú de Cinemas. Formado em Roteiro na Academia Internacional de Cinema em 2022, trazendo a escrita como principal ferramenta de expressão e produção de conteúdo sobre cinema.

          

A QUEBRADA, O AUDIOVISUAL E O PACTO DA BRANQUITUDE.

          Criado na quebrada de São Paulo, tive a linguagem literária como fuga da realidade violenta e solitária de uma criança LGBTQIAPN+ quando aos 12 anos encontrei abrigo na biblioteca da escola, todos os dias na hora do recreio.

          Logo, essa admiração pela literatura se torna uma necessidade de conhecer também outras linguagens, conhecer sobre toda a diversidade multicultural que naquele momento sentia que me estava sendo negada. Então parti para a minha jornada, não só de conhecimento, mas também de autoconhecimento já que não tinha referências que me faziam sentir pertencente aquele lugar, afinal, um menino gay, branco e afeminado jamais poderia se sentir em casa vivendo na periferia. Hoje sei o quanto estava equivocado com essa minha última afirmação.
 

          Nesses próximos pares de anos consegui acessar lugares muito importantes para minha formação sociocultural: Peças de teatro e exposições gratuitas, festas LGBTs no centro de São Paulo, apresentações musicais e cada vez mais conhecia pessoas que, mesmo com inúmeras diferenças sociais, se pareciam comigo de certa forma em tantas outras camadas.

          Só então em 2009, depois dos meus 20 anos, me interessei por um filme nacional que havia lançado no cinema que tinha a temática Gay. Foi tudo muito novo, a começar pelo próprio cinema em que estava sendo exibido que, além de não ser dentro de shopping, ainda tinha o nome de um famoso banco. Naquela sala, com cerca de apenas 30 lugares, fui atravessado pela arte que me levaria a tantos outros lugares, físicos ou imagináveis. Ali, vi pela primeira vez um personagem gay que não estava sendo retratado de forma caricata ou qualquer outro tom depredatório de humor, pela primeira vez, pude me ver como um possível protagonista da minha própria história.
          

         Aos 26 anos, consegui ingressar no mercado audiovisual, mesmo que de forma paralela já que trabalhava produzindo eventos de lançamento de filmes e não participando da produção deles. Neste momento, pela primeira vez, conheço o gosto da conquista, da realização profissional, então me deleitei, passava os dias me apaixonando e absorvendo tudo aquilo, pela primeira vez estava trabalhando com o que amava e não apenas pelo dinheiro que necessitava para sobreviver, tudo aquilo mexia comigo num lugar inédito.
        

          Dentre todas as linguagens artísticas que havia conhecido até então, o audiovisual foi quem me despertou a possibilidade de externar tudo aquilo que havia aprendido e muito além, vi a oportunidade de expurgar todas aquelas marcas de solidão e violência que havia vivido até então. Mais de uma década depois, consegui realizar um grande sonho: Estudar roteiro na AIC (Academia Internacional de Cinema)

          Antes de tudo, é importante aqui falar sobre minha passabilidade branca, muitos dos lugares que acessei e consegui interagir foi devida a possibilidade de poder me camuflar de certa forma e só assim ser minimamente aceito. Ainda assim, existe o recorte social, esse até hoje segue sendo uma grande barreira para ser visto em tantos outros lugares que ainda não consegui me sentir pertencente.

          A cada ambiente que acessava, notava de forma gritante a ausência completa de qualquer tipo de diversidade racial, social, sexual ou de gênero, eram sempre brancos, sempre cisgêneros, sempre classe média.

          Marcado por todas as questões sociais que me deixaram mais sensível às percepções de invisibilidade de minorias, comecei a notar, agora, na prática o quanto a quebrada, mesmo sendo peça fundamental para manter tudo aquilo funcionando, nunca é num lugar de liderança ou com remuneração minimamente plausível, em sua esmagadora maioria ocupávamos cargos de montadores, carregadores, auxiliares e nunca diretores, coordenadores, nem mesmo produtores, pois estes cargos são reservados aos que tiveram a oportunidade de estudar em grandes instituições (FAAP, Belas Artes...), ter vivências fora do país ou até mesmo de fazer um curso de inglês (vale ressaltar que estamos falando de um país onde somente 1% da população tem inglês fluente), mesmo que isso tudo não tenha relação alguma com competência ou com a habilidade de ser um verdadeiro solucionador no ambiente de trabalho. Muito pelo contrário, vir da quebrada traz um diferencial de lidar com situações do dia a dia como nenhum outro conseguiria, afinal somos resistência desde sempre.

          Naquela produtora de eventos, dentre os seis produtores na equipe, eu era o único que vinha da periferia, que havia estudado em colégio publico durante toda a vida ou que precisou suar muito para conseguir fazer uma faculdade particular como bolsista. (Numa família com dez tios e mais de vinte sobrinhos, eu fui o primeiro que consegui uma formação acadêmica mínima.) Lembro sempre do dia em que, despretensiosamente, externei meus pensamentos sobre uma foto que havíamos tirado com toda a equipe num evento de Pré Estreia, naquele retrato tínhamos uma fileira de produtores e oura logo a frente dos montadores e ajudantes: imagine qual fileira era unicamente de pessoas brancas da classe média e qual de pessoas pretas e periféricas? Mesmo com toda a nitidez daquele retrato social, fui “tirado de louco”, acredito que pelo desconforto com aquela espécie de denúncia que eu tinha acabado de fazer. No final, toda aquela situação me serviu para entender ainda mais sobre como funciona o pacto da branquitude que se mantém em manutenção diária.

          Por todos estes meus incômodos gerados por esta percepção critica e também pelo mercado que estava inserido, percebi que aquela minha conquista não era nem de perto o que eu buscava. Eu precisava contar a minha história, a história dos meus vizinhos que convivo desde a infância.

          Neste ponto eu havia conseguido alugar uma kit net no prédio onde por muito tempo havia sonhado em morar, desde meu primeiro emprego aos 16 anos, o edifício COPAN. Lá percebi que também não poderia ser considerado um deles, mas, para além e muito maior que isso, eu entendi que o que havia conseguido fazer era hackear aqueles espaços, como um Cavalo de Tróia que silenciosamente rouba os dados de uma placa mãe num computador. 

          Então, no meio dessa jornada, percebi que não gostava de estar naquele lugar sem os meus comigo. Eu precisava tentar dar oportunidade de voz ao máximo de histórias que seguem sendo silenciadas. Mas como? De forma quase que involuntária, me reconectei as minhas vivências na periferia e cada dia mais a necessidade de falar mais sobre nós. Desde então percebo o quanto estava errado quando afirmava para mim que jamais conseguiria me sentir em casa na quebrada. Aqui sempre foi o meu lugar, TUDO o que sou hoje devo à Cidade Adhemar, pois mesmo vivendo todas aquelas experiências fora dela, minhas percepções teriam sido outras, para quem vem da quebrada tudo é a quebrada, mesmo estando longe dela. Esta visão é algo que jamais conseguirão tirar de mim.

          Assim como na jornada da heroína, que conquista seu novo espaço e depois percebe que a sua jornada só terá fim quando ela voltar ao ponto de partida, me reconectei aos meus primeiros espaços, quem eu sou e o que acabei deixando no meio do caminho.

          Hoje, busco a possibilidade de escrever, de falar sobre o que vivo, sobre o que vivi, busco a possibilidade de pertencimento sem precisar estar camuflado. Isso é o que me move mesmo com toda a luta por reconhecimento.

          Para além de mim, busco que a quebrada viva, forte e bela. Que não sejamos apenas: Cidade de Deus, Carandirú, Pixote ou Tropa de Elite; que sejamos também: Bacurau, Que Horas Ela Volta, Urubus, Marighella, Marte Um...

Contato

(11) 95051-8951

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