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Atualizado: 12 de abr.



Durante anos trabalhando com o audiovisual, especialmente com cinema, sempre me orgulhei de participar de grandes lançamentos, pré-estreias repletas de cenografia, iluminação, patrocinadores, talentos e toda a produção que envolve centenas de milhares de reais. Ver esses eventos tomando forma durante a pré-produção e a reação dos convidados me enche de orgulho e satisfação, pelo esforço envolvido para que tudo saia perfeito.



Mas há um lugar especial em meu coração, nutrido de forma única, que me dá energia para lutar pelo que acredito: o Cinema Nacional. O afeto que emana de mim ao participar de lançamentos de filmes feitos por nós, que contam nossa história, nossa potência, vitalidade e multiculturalismo, é imensurável.

No entanto, não é de hoje que sabemos das dificuldades extremas que nosso cinema enfrenta, desde a produção do filme em si até a luta por um lançamento digno de sua grandiosidade. Essa contrariedade se deve a vários fatores: a complexa distribuição das leis de incentivo às pequenas produtoras, a concorrência com filmes de produções milionárias estrangeiras, a dificuldade de apoio do setor privado e, o pior deles para mim, a movimentação sociopolítica conservadora que desvaloriza as leis de fomento à cultura brasileira, impedindo inclusive nosso avanço econômico.



Para exemplificar, vamos nos distanciar um pouco do cenário brasileiro para entender como a não valorização do cinema nacional afeta nosso crescimento sócio-econômico e cultural. Nos últimos anos, vimos a propagação massiva da cultura sul-coreana, seja na música, cinema ou doramas, conquistando pessoas de todas as idades no mundo todo. Esse movimento, chamado de Hallyu ou "Onda Coreana", teve como peça-chave o incentivo do governo sul-coreano à cultura, com um orçamento significativo. Comparativamente, o Brasil tem um orçamento muito menor para o setor cultural, o que impacta diretamente nossa capacidade de promover nossa cultura.




Além das empresas privadas como patrocinadoras, o incentivo cultural do Estado é fundamental para propagarmos nossa rica cultura. Quando o mundo valoriza e consome nossa cultura, alcançamos reconhecimento e nossa autoestima aumenta, mudando completamente a forma como consumimos nosso próprio material cultural. Um exemplo disso é o filme "Parasita", de Bong Joon-ho, que ganhou quatro estatuetas do Oscar em 2020 e diversos prêmios em festivais de cinema internacionais.



Voltando à nossa realidade, superar esses desafios requer uma combinação de apoio governamental, investimento privado, incentivos fiscais, políticas de distribuição mais eficazes e uma conscientização maior do público sobre a importância de apoiar a produção nacional.

Meu desejo mais profundo é que continuemos propagando nossa cultura nas telonas. Acredito que podemos nos tornar um grande polo cinematográfico mundial.





Quando falamos de uma boa história ou um roteiro bem estruturado, logo nos vêm à cabeça os diálogos ambiciosos, três atos bem definidos ou plot twists que viram a trama de cabeça para baixo. Nada disso é usado como artifício de linguagem em Dias Perfeitos, dirigido por Wim Wenders (Paris, Texas; Asas do Desejo; Pina).

A produção nipo-germânica nos mostra um recorte de duas semanas na vida de Hirayama, um senhor de trabalha como limpador de banheiros públicos em Tóquio, vivido pelo ator japonês Kōji Yakusho (Memórias de uma Gueixa, Sob o Céu Aberto, A Cura). Escrita por Takayuki Takuma e pelo próprio Wenders, a trama se desenrola de forma orgânica e bem honesta, sem a pretensão de dobrar o filme para um segundo ato após nos ser apresentado o universo comum do protagonista, não existe o famoso “Até que um dia...”, pelo contrário, o filme esbanja técnica de roteiro sem usar subterfúgios clássicos de narrativa, nos apresenta a vida do personagem de forma simplista, porém cheia de poesia.



O cotidiano de Hirayama, a princípio pode parecer infeliz e monótono, mas quando estreitamos nossos olhos conseguimos enxergar todo o subtexto intencionado, isso ocorre quando entendemos a história pelo ponto de vista do protagonista, só assim conseguimos ver que seus dias são repletos de pequenas bênçãos, dos prazeres de uma rotina, de contemplação de vida, além dos personagens extremamente bem construídos que cativam mesmo com pouco tempo de tela, por mais que sejam apenas participações efêmeras que vem e vão, deixam sua marca de forma potente. É impressionante assistirmos os mais de 30 minutos iniciais do filme sem que Hirayama pronuncie palavra alguma e mesmo assim termos a mensagem bradada com tanta sutileza e poesia: A solitude.



A parte estética do filme é um show a parte também, tanto nos posicionamentos de câmeras onde temos perspectivas muito bem executadas que despertam sensações assertivas, como, por exemplo: A câmera sempre vinda de baixo nas cenas que acontecem dentro de seu apartamento, nos mostrando o quanto é um local pequeno, com teto baixo, mas, ao mesmo tempo, apresenta cores e direção de arte belíssima que traz um contraponto para que não sejam cenas claustrofóbicas ou desconfortáveis, temos então um homem que é extremamente feliz por sua vida como é. A Direção de Arte trabalha lado a lado com a Direção de fotografia, nos trazendo um visual bem hollywoodiano, eles brincam com sombras e cores, com perspectivas que nos contam sobre quem é esse homem solitário que trabalha limpando banheiros públicos. Essa habilidade em contar a história de forma não verbal ocorre também nas cenas de apagamento social, onde vemos o personagem sendo invisibilizado pela população sem se sentir abalado em nenhum momento, pelo contrário, temos sempre uma visão contemplativa do protagonista que às vezes até acha graça das situações, Hirayama é seguro de si, sabe exatamente quem ele é e sobre a importância de sua vida, não aos olhos dos outros, mas de si mesmo.



Outro grande ponto são os dizeres “The Tokyo Toilet” (O Banheiro de Tóquio) estampado nas costas de seu uniforme, essa frase traz a sensação de marginalização, de inferiorização do expectador e da população no filme, isso aplaca também como uma crítica a nós mesmos, pois quando nos é apresentado o universo comum do personagem e já julgamos sua vida como sendo menor ou infeliz, escancarando assim nossos preconceitos que vão sendo desmontados conforme a trama se desenrola. Julgamos infeliz a vida de um homem só por trabalhar lavando banheiros? Para quem procura um melodrama com um viés classista onde o personagem muda de vida, esqueça! Nada muda e tudo segue lindo da forma que é.



É muito belo ver novas narrativas, novas formas de contarmos uma história sem que esbarremos sempre naquela “jornada do herói” onde a vida do personagem vira de cabeça para baixo e depois disso ele nunca mais será o mesmo.

Seu combustível vital é a arte, é como ele enxerga a vida e a forma com que se permite ou não ser atravessado pelas pessoas que passam pela sua jornada.

Atualizado: 12 de abr.




O que acontece quando juntam duas das maiores atrizes com uma história no mínimo chocante? O longa Segredos de Um Escândalo.


Distribuído aqui no Brasil pela Diamond Filmes, vou falar sobre a obra tentando não ser banido por esta plataforma. hehe


Protagonizado por Julianne Moore (Para Sempre Alice, Pecados Inocentes, As Horas...) e Natalie Portman (Cisne Negro, Closer – Perto Demais, Jackie...), o novo longa de Todd Haynes (Longe do Paraíso, Carol, Certas Mulheres...) traz um drama baseado num caso real dos anos 90 de abu*o se*ual de uma professora com um menino de 13 anos. (Algumas fontes apontam 12 anos para a vítima). Essa história já é repugnante por si só, mas temos uma camada muito mais problemática: após 20 anos do escândalo que resultou num verdadeiro show midiático além da prisão da criminosa, a personagem Elizabeth Berry, vivida por Portman, vem estudar Gracie, (Julianne) a ab*sadora, para um papel no cinema, que agora é casada com a vítima e tem 2 filhos, frutos daquele crime se*ual. No mínimo polêmico, não?




Indicado no Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original, assinado pela Samy Burch, o filme traz personagens muito bem construídos, diálogos impressionantes, atuação absurda das protagonistas Natalie e Julianne, além do coadjuvante Charles Melton (que ficou muito conhecido pela série Riverdale) e vive o papel da vítima e marido da acusada, 20 anos mais tarde. Me impressionou muito que a Academia tenha simplesmente ignorado a atuação dos três, já que o longa veio sendo ovacionado pelos festivais que passou pelo mundo. Vai entender, né?


O contrário dos filmes de drama indicados este ano, o longa foca muito mais na construção dos personagens do que na parte estética, isso traz uma atmosfera um pouco mais crua que tem tudo a ver com a trama. Assim, temos cenas extremamente chocantes, não como Saltburn, por exemplo, que traz situações absurdas, este longa choca em seus diálogos, com cenas que nos fazem questionar nossa moralidade, Julianne tenta a qualquer custo convencer-nos de que não fez nada de errado, que tudo foi sobre amor incondicional, sobre paixão e reciprocidade. Tudo um grande equívoco, claro.




Assim, o filme vai nos entregando a cada cena camadas mais profundas: o reflexo gerado pelo abus* sex*al no garoto que se torna um marido que mesmo hoje com mais de 30 anos se mostra muito mais infantilizado do que os próprios filhos, uma mãe/esposa manipuladora e nitidamente doente psicologicamente e os filhos distantes e com problemas pessoais bem difíceis.


O filme não se perde em momento nenhum, mantém o foco na insanidade da mãe/esposa de uma família gerada a partir de um crime sex*al, traz versões diferentes da história, como a do advogado que trabalhou para a criminosa na época do crime, além da própria mãe do atual marido.




A última cena temos um monólogo BRILHANTE atuado pela Natalie onde ela fala diretamente com o expectador, com os olhos fixos na câmera, o tempo todo quebrando a quarta parede e nos colocando em check pela ultima vez.

 

Segredos de Um Escândalo é perturbador, pois nos mostra o quanto meninos podem ser colocados em lugar de homens já adultos, como o machismo nessa situação pode colocar a vítima num lugar de “garanhão” que engravidou uma mulher com quase o triplo de sua idade. O filme assusta pela disparidade na maturidade emocional dos dois e como a criminosa faz com que isso pareça extremamente natural.


O filme que estreou aqui no Brasil dia 18 de Janeiro, segue em cartaz em algumas salas de cinema. Super indico a quem puder que assista nas telonas!

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